segunda-feira, abril 02, 2018

Nos trens da Central - Por André Mansur



Se a Estrada Real de Santa Cruz era a principal via de acesso ao “velho oeste carioca”, por onde D. Pedro I cavalgou para proclamar a independência, agora é hora de falar sobre seu substituto mais moderno e barulhento, porém mais rápido e confortável, ou melhor, menos desconfortável: o trem.

Como usuário há quase três décadas desse meio de transporte, principalmente no ramal de Santa Cruz, posso falar com bastante autoridade sobre o tema, acostumado às viagens em geral rápidas, porém nem sempre pontuais, e que hoje começam a ter um pouco mais de conforto, devido ao ar-condicionado. O trem é o reduto de um número diversificado de ambulantes que vendem desde refrigerantes e biscoito, até produtos que “nunca saem de linha”, como a “raspa do joá”, ideal para a seborreia, cortadores de unha, abridores de latas, revistas de palavras-cruzadas e picolés “da fruta”, tudo com direito a jargões tradicionais, como “É o passatempo da sua viagem, freguês” e o “Biscoito Copacabana, preço de pobre, sabor de bacana”.

A estação de Deodoro é a mais antiga do ramal, inaugurada em 1859, com o nome de Sapobemba, homenagem ao engenho de mesmo nome, base da economia da região. Após a proclamação da República, em 1889, o nome foi alterado para o atual, referência ao Marechal Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República.

Saindo de Deodoro, o trem faz a curva na direção da Vila Militar, estação inaugurada em 1910, com um prédio muito bonito que parece um castelo medieval, e que traz esse nome graças ao grande número de quartéis do Exército em toda a região.

Magalhães Bastos, a estação seguinte, aberta em 1878, é uma das mais antigas e também está ligada ao Exército, não apenas por abrigar quartéis, como também pelo seu nome que homenageia Antônio Leite de Magalhães Bastos Filho, coronel e comandante do Primeiro Batalhão de Engenharia. Não à toa a estação durante muito tempo foi chamada de Coronel Magalhães Bastos.

Logo em seguida, chegamos à ampla estação de Realengo, um dos bairros mais conhecidos e importantes da Zona Oeste. A estação também foi inaugurada em 1878 e por muito tempo foi uma das mais movimentadas de toda a Central do Brasil devido ao movimento dos cadetes da antiga Escola Militar do Realengo.

Depois deste bairro, temos uma estação bastante conhecida, a de Padre Miguel, hoje com o nome ampliado para Mocidade de Padre Miguel, devido à escola de samba do bairro. Foi inaugurada em 1940, como Moça Bonita, passando a Padre Miguel em 1947, quando morreu esta importante personalidade da história da Zona Oeste.

Em 1948, surgiu a estação de Guilherme da Silveira, logo após a de Padre Miguel, em frente ao estádio de mesmo nome, o Bangu A. C., que em seus grandes momentos de glória atraía milhares de torcedores para a pequena e simpática estação.

Chegamos agora a outro bairro importante da Zona Oeste, um dos mais populosos: Bangu, estação construída em 1890, ainda de tábuas, para atender principalmente à Fábrica de Tecidos Bangu, inaugurada no ano seguinte e que foi o ponto de partida para o desenvolvimento do bairro. A estação atual é de 1938. Existiu outra logo depois de Bangu, a do Viegas. Aberta em 1924 e já desativada, era apenas uma pequena parada e seu nome se refere a uma família muito conhecida na região.

A estação seguinte, a Senador Camará, ou apenas Camará, foi inaugurada em 1923, em homenagem a um político da Zona Oeste, Senador Otacílio de Carvalho Camará. A próxima estação, a de Santíssimo, é de 1890, também uma das mais antigas, entre dois políticos destacados, já que a estação a seguir tem o nome do Senador Augusto Vasconcelos, conhecida apenas como Vasconcelos, de 1914.

Campo Grande, logo após, é outro bairro da região e teve a estação inaugurada em 1878, com um grande movimento no auge da produção de laranjas, quando o bairro e boa parte da região foi o maior produtor no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1950. Também próximo à estação de Campo Grande saíam os bondes para o Rio da Prata, a Ilha de Guaratiba e a Pedra de Guaratiba.
Uma pequena parada, hoje a estação de Benjamim do Monte, foi aberta logo depois de Campo Grande, em 1971, para atender, principalmente, aos empregados do estaleiro Ishikawajima. Logo em seguida, temos a estação de Inhoaíba, inaugurada em 1912, e depois a de Cosmos, de 1928. Foi lá que a Companhia Imobiliária Kosmos construiu a Vila Igaratá, onde se originou o bairro.

A outra estação, de Paciência (necessária para quem vai da Central até Santa Cruz), foi construída em 1897. O bairro surgiu depois do grande desenvolvimento urbano da década de 1950 e 1960, dando origem a loteamentos como o Jardim Sete de Abril e ao Distrito Industrial de Palmares, na Avenida Brasil. O nome do bairro está ligado à Fazenda da Mata da Paciência, muito importante na primeira metade do século XIX e que era administrada por Mariana Eugênia Carneiro da Costa.

Antes de chegar ao final da viagem, paramos na estação de Tancredo Neves, bem nova, de 1987, até poder, enfim, esticar as pernas na estação de Santa Cruz, inaugurada em 1878, e que por algum tempo possuía um pequeno ramal com destino ao Matadouro de Santa Cruz, hoje desativado.

Para milhares de trabalhadores, corresponde à metade do trajeto que percorrem todos os dias, pois de Deodoro à Central do Brasil ou à Gare D. Pedro II, ainda tem muito chão, ou melhor, muito trilho.

Minha sugestão para passar o tempo é sempre levar um livrinho no bolso, pois foi assim que passei grande parte do tempo quando, todos os dias, pegava o trem na Central. Hoje, quando pego o trem, geralmente uma vez por semana, costumo cometer "atentados literários", deixando um livro no banco quando a composição chega à Central.

André Luis Mansur é Jornalista e Escritor.

Um comentário:

Adinalzir disse...

As experiências literárias e ferroviárias do autor nos trens da Central do Brasil são parecidas com as minhas. Nas viagens eu também sempre levo um livro para ler.