Fazenda de Santa Cruz do alto do Morro do Mirante. Imagem de Debret, 1817
Exímio cavaleiro, muitas vezes Pedro partia montado em um dos muitos cavalos que mantinha bem tratados na fazenda, dispensando carruagens luxuosas. Cavalgava rápido, tanto que, em algumas vezes, ia e voltava no mesmo dia a Santa Cruz, como na ocasião em que foi à fazenda apenas para dar uma chicotada no marido de sua amante Domitila de Castro e Canto Melo, a Marquesa de Santos – uma situação tão absurda que beira o cômico.
Mesmo perdendo a marquesa para D. Pedro I, o marido, o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça, não apenas se submeteu à nova ordem, como se humilhou pedindo um cargo ao Imperador, que o nomeou, em 1824, administrador da feitoria de Periperi, parte da Fazenda de Santa Cruz, e que ficava em numa área coberta hoje pela estrada Rio-São Paulo, na altura de Itaguaí.
Periperi possuía diversas lavouras e um famoso engenho produtor de aguardente. O motivo da desavença entre o administrador e o Imperador foi uma carta injuriosa sobre a marquesa, enviada por Felício ao irmão de Domitila, que a mostrou ao Imperador. Mal acabou de ler, D. Pedro subiu em seu cavalo e atravessou a Estrada Real de madrugada, em meio a uma forte tormenta. Ao chegar à sede da feitoria, entrou gritando, chamando pelo administrador, para espanto dos escravos, que nunca imaginariam a chegada do Imperador do Brasil àquela hora e naquela situação. Quando deparou com Felício, D. Pedro, sem dizer nada, “desferiu rápida e forte ‘rebencada’ na face do perplexo ‘desafeto’ e, considerado ‘cumprido seu dever’, imediatamente regressou à Quinta da Boa Vista, aonde chegou ao amanhecer”. (Santa Cruz, Jesuítica, Real, Imperial – Vol. III, Benedicto Freitas).
Felício não apenas aguentou calado a humilhação, como ainda permaneceu um bom tempo como administrador da feitoria, mas, desta vez, bem mais comportado, pois D. Pedro o ameaçou com uma contundente surra, se não deixasse de ofender a marquesa, esposa de Felício e amante de Pedro.
Ao chegar a Santa Cruz, pode-se dizer que D. Pedro ficava como “pinto no lixo”, ou seja, sentia-se completamente à vontade: “Aqui chegados, consideravam-se no Paraíso: passeios sem fim: a Sepetiba, Itaguaí, Pedra de Guaratiba, no mar, nos rios, nos decantados canais com iates e veleiros neles deslizando, caçadas e rodeios e, à noite, música na Imperial Capela e nos salões do Palácio, onde também se realizavam animadas partidas de bisca, jogo preferido do monarca” (Santa Cruz, Jesuítica, Real, Imperial – Vol. III, Benedicto Freitas).
Em Santa Cruz, D. Pedro, mesmo já imperador, despia-se das sofisticadas e imponentes vestimentas da nobreza, e usava trajes de homem do campo: calça e camisa de algodão, bota quase sempre enlameada e chapéu de palha, como autêntico caipira. Ocorreu muitas vezes de receber ministros de importantes Cortes europeias de chinelos no Palácio, com a maior sem-cerimônia. “Conta o Marquês de Gabriac – embaixador da França no Brasil entre 1820 e 1829 – que, visitando D. Pedro, em Santa Cruz , em 22 de outubro de 1827, encontrara-o em seu salão de despachos jogando bisca com um camarista e o cirurgião do Paço” (Livro D. Pedro I, de Isabel Lustosa).
Para aproveitar bem a vidinha na roça, repleta de ar puro, água limpa, fartos cozidos (seu prato preferido na fazenda) e muito verde, D. Pedro gostava de acordar bem cedo, “quando o galo cantava”, e seguia irremediavelmente a mesma rotina. Fazia a revista dos escravos, fiscalizava o rebanho, os engenhos, as pontes e as obras de drenagem e contenção das águas, ordenava novos plantios, mandava fazer reparos nos prédios da fazenda e ia caçar com espingarda capivaras e outros animais em abundância às margens do rio Guandu, isso bem antes que o “progresso” expulsasse a fauna e a flora para o pouco que restou da Mata Atlântica naquela região.
Obs: a sede da fazenda que aparece na aquarela acima, hoje é o Batalhão de Engenharia Militar Villagran Cabrita e está muito bem conservado. Fica perto da Estação de Trem. Para quem vê a novela Novo Mundo da Rede Globo de Televisão esse texto serve como uma boa dica para saber mais sobre alguns dos personagens.
Mesmo perdendo a marquesa para D. Pedro I, o marido, o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça, não apenas se submeteu à nova ordem, como se humilhou pedindo um cargo ao Imperador, que o nomeou, em 1824, administrador da feitoria de Periperi, parte da Fazenda de Santa Cruz, e que ficava em numa área coberta hoje pela estrada Rio-São Paulo, na altura de Itaguaí.
Periperi possuía diversas lavouras e um famoso engenho produtor de aguardente. O motivo da desavença entre o administrador e o Imperador foi uma carta injuriosa sobre a marquesa, enviada por Felício ao irmão de Domitila, que a mostrou ao Imperador. Mal acabou de ler, D. Pedro subiu em seu cavalo e atravessou a Estrada Real de madrugada, em meio a uma forte tormenta. Ao chegar à sede da feitoria, entrou gritando, chamando pelo administrador, para espanto dos escravos, que nunca imaginariam a chegada do Imperador do Brasil àquela hora e naquela situação. Quando deparou com Felício, D. Pedro, sem dizer nada, “desferiu rápida e forte ‘rebencada’ na face do perplexo ‘desafeto’ e, considerado ‘cumprido seu dever’, imediatamente regressou à Quinta da Boa Vista, aonde chegou ao amanhecer”. (Santa Cruz, Jesuítica, Real, Imperial – Vol. III, Benedicto Freitas).
Felício não apenas aguentou calado a humilhação, como ainda permaneceu um bom tempo como administrador da feitoria, mas, desta vez, bem mais comportado, pois D. Pedro o ameaçou com uma contundente surra, se não deixasse de ofender a marquesa, esposa de Felício e amante de Pedro.
Ao chegar a Santa Cruz, pode-se dizer que D. Pedro ficava como “pinto no lixo”, ou seja, sentia-se completamente à vontade: “Aqui chegados, consideravam-se no Paraíso: passeios sem fim: a Sepetiba, Itaguaí, Pedra de Guaratiba, no mar, nos rios, nos decantados canais com iates e veleiros neles deslizando, caçadas e rodeios e, à noite, música na Imperial Capela e nos salões do Palácio, onde também se realizavam animadas partidas de bisca, jogo preferido do monarca” (Santa Cruz, Jesuítica, Real, Imperial – Vol. III, Benedicto Freitas).
Em Santa Cruz, D. Pedro, mesmo já imperador, despia-se das sofisticadas e imponentes vestimentas da nobreza, e usava trajes de homem do campo: calça e camisa de algodão, bota quase sempre enlameada e chapéu de palha, como autêntico caipira. Ocorreu muitas vezes de receber ministros de importantes Cortes europeias de chinelos no Palácio, com a maior sem-cerimônia. “Conta o Marquês de Gabriac – embaixador da França no Brasil entre 1820 e 1829 – que, visitando D. Pedro, em Santa Cruz , em 22 de outubro de 1827, encontrara-o em seu salão de despachos jogando bisca com um camarista e o cirurgião do Paço” (Livro D. Pedro I, de Isabel Lustosa).
Para aproveitar bem a vidinha na roça, repleta de ar puro, água limpa, fartos cozidos (seu prato preferido na fazenda) e muito verde, D. Pedro gostava de acordar bem cedo, “quando o galo cantava”, e seguia irremediavelmente a mesma rotina. Fazia a revista dos escravos, fiscalizava o rebanho, os engenhos, as pontes e as obras de drenagem e contenção das águas, ordenava novos plantios, mandava fazer reparos nos prédios da fazenda e ia caçar com espingarda capivaras e outros animais em abundância às margens do rio Guandu, isso bem antes que o “progresso” expulsasse a fauna e a flora para o pouco que restou da Mata Atlântica naquela região.
Obs: a sede da fazenda que aparece na aquarela acima, hoje é o Batalhão de Engenharia Militar Villagran Cabrita e está muito bem conservado. Fica perto da Estação de Trem. Para quem vê a novela Novo Mundo da Rede Globo de Televisão esse texto serve como uma boa dica para saber mais sobre alguns dos personagens.
Por André Luis Mansur Baptista
Autor do livro "O Velho Oeste Carioca". Volumes I, II e III. Editora Ibis Libris
Um livro que reúne excelente material de pesquisadores da Zona Oeste do Rio de Janeiro, e apresenta uma visão global da região que se estende desde o Campo dos Afonsos até Sepetiba, percorrida pela antiga Estrada Real de Santa Cruz, citada nos livros de História do Brasil pela invasão de piratas franceses em Guaratiba, em 1710, e as longas temporadas de D. João na antiga fazenda dos jesuítas, no início do século XIX. André Luis Mansur Baptista nasceu em 1969 e formou-se em jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1993. Tem dois livros publicados: Supéravit, o herói brasileiro e Manual do Serrote, ambos de ficção. Mantém o blog Emendas e Sonetos, onde publica excertos sobre curiosidades do Rio de Janeiro.
Autor do livro "O Velho Oeste Carioca". Volumes I, II e III. Editora Ibis Libris
Um livro que reúne excelente material de pesquisadores da Zona Oeste do Rio de Janeiro, e apresenta uma visão global da região que se estende desde o Campo dos Afonsos até Sepetiba, percorrida pela antiga Estrada Real de Santa Cruz, citada nos livros de História do Brasil pela invasão de piratas franceses em Guaratiba, em 1710, e as longas temporadas de D. João na antiga fazenda dos jesuítas, no início do século XIX. André Luis Mansur Baptista nasceu em 1969 e formou-se em jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1993. Tem dois livros publicados: Supéravit, o herói brasileiro e Manual do Serrote, ambos de ficção. Mantém o blog Emendas e Sonetos, onde publica excertos sobre curiosidades do Rio de Janeiro.
Postado neste blog por Adinalzir Pereira Lamego